EXERCÍCIOS [agosto - outubro, 2020]

Deram o nome de PLEX (período letivo excepcional). Em todas as aulas havia sempre uma internet que caía e nos fazia perder...nossas conexões. Na experiência de Rádio, a professora falava com as bolinhas dos perfis e ouvia as vozes dos sotaques (da capital e sertão cearenses; de Angola e Guiné-Bissau; de Pernambuco) que residiam em vários lugares do Ceará. Aulas remotas não precisam só de internet, sabiam? Cadê o home office? Corredores, salas em disputa com novelas, quartos divididos por três pessoas, degraus...podem ser considerados home offices? E os computadores? Na universidade há laboratórios cheios de computadores, bibliotecas cheias de livros, restaurante universitário, colegas convivendo. A sensibilidade e o afeto da gente com a gente foi produzindo encontros. Destes, surgiram exercícios sensíveis, estéticos. Vamos conhecer alguns?



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Despertar

Não vejo mais você faz tanto tempo, que saudade que eu sinto.

De acordar cedo contigo, porque o estrépito da vida na cozinha começava mesmo antes de o sol banhar cada pedaço de terra árida e você nunca livrou-se do sono leve, mesmo com o tempo. Falta de como pra ti era tão simples ter todos os sentidos de uma só vez: sentir o gelado da água ao lavar a boca, escutar bem os grilos, a visão impressionada pela beleza alaranjada de um sol nascente enquanto prova do café doce demais passado pouco antes do pão cheiroso encher de saliva sua boca.
Acordar cedo era um evento, sem você é só algo incômodo que estou sempre adiando por mais cinco minutos.
Com você não havia problema não ter nada para fazer, tu apenas deitava na rede do alpendre e assistia o tempo passar, sem precisar sanar um tédio ansioso do qual hoje eu não consigo me livrar.
Quais são seus segredos então? Para não apanhar esse aparelho que parece entender de meus interesses melhor que eu, que moro comigo. As redes (anti)sociais me mostram vidas que não são a minha, sempre tão perfeitas e bonitas que incomodo-me mais tarde com a imagem minha refletida no espelho sujo do banheiro, porque não tive disposição o suficiente para limpá-lo.
Buscando na memória ainda posso lembrar o que você dizia orgulhosa pra qualquer pessoa que refutasse seus sonhos: ninguém pode dizer que alguém não é bem sucedido estando feliz com o que faz. Chego a uma mesma conclusão sempre que deparo-me com essa memória, mesmo em parâmetros tão empáticos, sou um exímio fracasso.
E no fim do dia o já deslizei o polegar mais vezes que respirei, sem alcançar o ponto final das postagens que me instigam em saber quanto estou perdendo, se o próximo
post não seria aquele que enfim despertaria alguma coisa, talvez uma pequena porcentagem de determinação.
Se quero perceber quem eu sou, observo os anúncios que se conversam nos intervalos entre um clique e outro: livros com frete grátis, receitas saudáveis de sabor agradável e material para artesanato por METADE do preço.
Os algoritmos usam os dados da metade que sou para formular a parte que falta.
Mas sinto que o me falta é você, eu.
O eu – nós – de quando não havia um ecrã lhe alienando a vista, limitando o que escuto a sons produzidos para entreter em um mundo que não existe, ocultando o tato mais simples como os de sentir os sinais desesperados de um corpo sedentário e a mente exausta de tanta informação.

A saudade dos sentidos que uma infância offline cultivou em hipérbole.
Volto a cama quase cinco da manha, três vezes mais exausta que levantei e, num soluço profundo e dolorido de um choro sincero e dolorido, atiro o aparelho na parede fronte a mim.
O vibrar das inacabáveis notificações cessa e a tela não mais acende, partida em tantos pedaços que o concerto é inviável.
Ironicamente, uma estranha satisfação aqueceu meu peito e até esqueci-me da ideia de deitar, calcando as sandálias deixei o quarto do tamanho de uma caixa de fósforos e atravessei a casa em poucos passos, adentrando a varandinha de um metro quadrado e descobrindo vestígios de um sol muito alaranjado quase a desabrochar no céu sem estrelas da cidade grande.
Passei um café ligeiro e o mesmo pó pareceu mais cheiroso, a vapor mais quente no meu rosto e o barulho das pessoas que saiam pra trabalhar mais alto que em qualquer outro dia eu havia de alguma forma ignorado.
Segurando a xícara morna apoiei os cotovelos no batente e vi um dia começar, experimentando – como um deja vu – a nostalgia de que esse eu de fato viveria.
Posso finalmente te sentir outra vez comigo, eu.
 

(Autoria: Carine Soares Maciel)

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                                                     Autoria: Mariane Facundo Santana





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vidas negras nas águas azuis


Habituado com o cheiro da água do Rio das frutas silvestres, da terra úmida e do mar. Um cheiro totalmente antagônico sinto agora cheiro forte cheiro horrível cheiro nojento cheiro podre. O cheiro da morte.
O cheiro da morte não não só asfixiou as minhas narinas mas minha vida em si minha alma está totalmente arrepiada!
Por que já Kassinda (nome), está morto com correntes no pescoço e os pés, só mais um objeto negro morto assim como todos neste navio. O filho mais velho da tia Katembo que lhe encontraram nas nacas (lavra), a trabalhar está agora dando os últimos suspiros por causa da sede.
Onde estás tu a N'galã (Deus)?
Onde estás tu a N'galã yetu ( nosso Deus)!?
O pequeno Cindumulã (nome),fechando os olhos para não ver sua mãe sendo estuprada, o tio na Nakepa gritava chorava forte e alto assistindo sua mulher sendo abusada, quanto mais ele gritava mais alto era gargalhada dos cindeles (se pronunciar tchindele e significa branco).
Vejo através da imaginação de meus filhos sendo chicoteados minha mulher sendo um objeto sexual meus pais sendo explorados até o seu último suspiro. Minha mente reproduzindo essas imagens parei e gritei Undi ponde yapa nién ? (não me matas porque?).
Mas eles não entendiam porque eu falava umbundu , e pelo esforço de eu tentar sair das correntes elas fizeram feridas grande nos pés feridas anestesiadas com água salgada do mar.
Sentia dor não pela ferida mas pela certeza do abismo do navio ele disse que morreria distante da minha Terra.
O mar nunca nega as vidas negras que lhes são entregues. Porque muitos preferiram a morte se jogando ao mar do que passar pela dor da escravidão!
Com a mente baralhada aquele momento não teve descrição. A cada vida inocente jogada no mar as mamães choravam mais alto, homens e mulheres com sonhos reduzidos a mercadoria objeto a nada!
A vida é um jogo de saudades eu queria não sentir nada mas agora sinto tudo.
Por que existe a palavra diferença sem nunca conseguimos aplicá-la?
O grito de socorro o cheiro de álcool associado a água do mar gargalhadas lágrimas. Uns querendo ser exaltados outros sendo humilhados.
Agora entendo porque o soba disse naquele dia que existem pessoas que se sentem livres mesmo sendo presos.
Mas um dia, Oh mar! terás que devolver as mortes que você você recebeu!
Depois disto evaporei e me transformei no vazio.


(Autoria: Belchior Reis Camela)

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                                                                                                                           Autoria: Daniel Rocha da Silva








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Violino

Há muito tempo atrás, em uma enorme floresta em algum lugar do mundo, muito bem preservada, com grandes árvores, diversidade de plantas e espécies de animais, com grandes rios admiráveis e cantos espetaculares dos pássaros, havia um jovem chamado Gael, cheio de vida, humildade e alegria. Um violinista que adorava tocar seu instrumento ao som de ventos, pássaros, águas correntes, sincronizando assim, o som do violino com os sons naturais, ele amava isso, o distraía o dia todo, criando grandes canções ao decorrer de seus dias. Quando ele tocava, a vida ficava muito mais bela e feliz, pois até a natureza sorria com ele, e apesar de ser um jovem muito sábio e maduro, havia desistido do amor, pois tinha sofrido uma decepção amorosa no passado que por um tempo tinha o deixado desanimado e esvaecido, um amor não correspondido, que por muito tempo habitou dentro dele, concluindo que não se arriscaria novamente nas armadilhas do coração. A música instrumental foi seu grande auxílio nesse momento triste de sua vida, o que o trouxe o sorriso no rosto novamente, assim se apaixonou pelo violino, dedicando seu tempo ao compor várias músicas de tons diversos, melodias que eram feitas no "mergulhar profundo da alma". Gael era uma pessoa muito sonhadora, criativa e agora, muito feliz, tinha encontrado sua grande paixão, a música. Desde criança, desejava explorar a natureza e seus encantos, e assim o fez logo quando pôde cuidar de si, seu rumo era conhecer o mais belo que o mundo
tinha para oferecer, dessa forma, nada melhor que se conectar com a natureza, e esse foi o seu destino. Um dia, quando adentrava a floresta, viu uma bela camponesa recolher algumas flores próximo onde ele estava, foi então que seu coração voltou a bater mais forte outra vez. Apesar de seus olhos terem encontrado um novo brilho ao ver aquela bela moça, ele recusava-se a se deixar levar pela paixão novamente, visto que já havia sofrido muito e com certeza não queria tocar nessa cicatriz, que um dia foi uma grande ferida. Lembrou-se de como havia sofrido, e assim, o medo o dominou, consequentemente, não teve atitude alguma senão apenas observar a moça e admirá-la, sendo assim, não teve contato algum com a garota que lhe fez despertar algo novo dentro dele. Assim sendo, aprofundou-se cada dia mais no conhecimento da música produzida pelo violino, pensou que, na verdade, ele se apaixonou com a beleza da moça camponesa, no entanto, não 
queria amar mais ninguém da mesma forma que amou a tal jovem que no passado o fez sofrer, logo, Gael fez daquela moça sua inspiração para compor outras canções, e assim ele ficou conhecido por suas doces obras apaixonadas e foi feliz o resto da vida apenas com seu amigo e suficiente, o violino.  

(Autoria: Lucenice Carmo da Silva)
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                                         Autoria: Daniele Lima de Oliveira





                                                 



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Parto indesejável, filho incrível.

Era Quinta-feira, dia 30 de Novembro do ano 1995, um dia rotineiro como qualquer outro, mas, que marcaria a história desse casal jovem. Já eram quase oito horas da noite e o Sol já havia se posto na pequena cidade de Bissau.

No entanto, uma jovem grávida, Carolina, de 22 anos de idade, esposa de Jerónimo, carregava na cabeça uma mesa de madeira de aproximadamente 20 quilos e seguia-se em direção ao mercado Caracol no bairro Bamdim para vender mancara e bolo.

O marido dela, Jerónimo, era um jovem de 32 anos, estivador no porto Pinjikiti que em seus dias de folga, atuava como ajudante de pedreiro de construção civil… Entretanto, apesar dos dois empregos, a condição financeira da família ainda deixava muito a desejar.

Devido à débil condição financeira no trabalho do marido, uma parte do lucro da venda de bolo e mancara da Caró, como era conhecida na vizinhança, destinava-se ao sustento da família e à compra de vestuários para pequena filha, Narcisa, enquanto o marido tomava conta das outras despesas.

Nesse dia, Caró que já contava com sete meses de gravidez, sem perceber que o chão estava molhado, escorregou  e caiu sentada em sua varanda.

A vizinha, tia Dóque, a partir de sua varada viu tudo, e percebeu que o marido não estava em casa, mas não comentou o incidente com ninguém e  nem perguntou pra moça se havia se machucado ou não…

Passados dois dias, a situação parecia estar normal, Jerónimo acordou cedo, tomou banho, pequeno almoço e partiu para casa do seu melhor amigo Diamantino afim de visitá-lo.

Quando a Carolina acordou, reparou que o marido não estava em casa, deu banho na Narcisa, vestiu-a e voltou ao banheiro para lavar o seu próprio corpo. Ao empinar para apanhar água com a caneca no balde sentiu uma dor estranha igual aquela que sentiu há dois dias atrás após cair na varanda.

 Resistindo à  dor, Caró lavou bem limpo o seu corpo, logo ao sair do banheiro, chamou a tia Dóque, que, por sua vez, mandou chamar rapidamente o marido na casa do amigo e este veio e levou a esposa pra o Hospital Nacional Simão Mendes onde ficou sob cuidado dos agentes de saúde.

Depois de esperar por horas, os médicos descobriram que a bolsa já havia estourado, e caso não retirassem o bebê, ou ele ou a mãe, um dos dois ia morrer em poucas as horas…

Após meia noite estando já no dia 03 de Dezembro, as parteiras decidiram que a Caró deveria ser levada à sala para ser submetida a um processo cirúrgico. Portanto foi feita a cesária e o bebê nasceu saudável, mas como ainda faltavam alguns meses de gravidez, o bebê que era um menino foi posto no incubador e dado o nome de Unor que na língua dos pais significava Sacrifício.

(Autoria: Moisés Tavares Cá)

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                                                                                                                                             Autoria: Sandro Abel Silvério






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Fazia um ano e meio que Teba esteva solteiro. Ainda tinha 24 anos de idade. Naquela altura, ele não pensava em encontrar um amor, uma namorada que esfriasse, esclarecesse o seu coração escuro, quente, sofrido de sofrimento, traição, que aconteceu no relacionamento anterior.
Teba, um dia, decide abrir seu coração novamente para permitir que o amor entrasse. Então, ele conhece uma menina pelas redes sociais, a Nanda.
Nanda era uma moça bonita, de olhos azuis, sorriso cativante, que chamou a atenção de Teba.
Nanda e Teba são de bairros muito distantes, mas a tecnologia uniu os dois, deixando-os mais próximos.
Todos os dias e noites, os dois trocavam mensagens:

– “Oi bom dia” – outro respondia.

– “Olá, bom dia, tudo bem”. 

Trocavam mensagens todos os dias, e cada momento da conversa os tornava cada vez mais próximos.
Um dia, Teba tomou a iniciativa de convidar Nanda para sair, mas ela hesitou a responder. Ela, por ser uma mãe solteira, pensou que Teba iria rejeitá-la, pelo fato de alguns homens não gostarem de namorar uma mulher que tem filhos. Mas Teba não pensava desta forma, pelo contrário, diferente dos outros, ele sempre buscava um relacionamento sério e duradouro. Como a Nanda poderia saber dos preceitos do Teba? Não haveria como e por isso ela recusou o convite feito por ele.

(Autoria: Nixon António Guerra)

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