Flanâncias pelas cidades (maio, 2017)

Segundo Paola Jacques em Elogio aos errantes (2012, p.57), "as flanâncias ocorrem em um momento muito específico de transformações urbanas; vêm do surgimento dessa experiência nova da multidão, do surgimento do turbilhão humano e urbano no século XIX, da experiência física dos corpos que se esbarram, se esquivam, por vezes se acotovelam, da experiência do estranhamento, do estar só em meio a desconhecidos de diferentes classes que, juntos, formam uma só massa humana, uma multidão sem rosto, uma uniformidade feita de diferenças, de individualidades, de solidões".

Assim, como experimentar as flanâncias em "transformações urbanas" passantes em capitais e cidades do interior? A seguir, algumas experiências que vieram com esse desafio:




Flanâncias de Felipe Vasconcelos



"O flâneur entra na multidão de forma crítica e, assim, determina seu próprio estado de flanância. A flanância, mesmo que de forma indireta e não explícita, traz nela aquilo que já chamamos de crítica moderna da própria modernidade, e, sobretudo, uma crítica ao urbanismo, à transformação autoritária das cidades e à expulsão de seus habitantes, à segregação social, à divisão de trabalho, à imposição de uma uniformização de costumes, de vias para circulação bem orientadas e cada vez mais sinalizadas, de uma velocidade cada vez mais acelerada, e, em particular, ao empobrecimento, pela recente mecanização, da relação do corpo com a cidade" (JACQUES, 2012, p.71).



Relatos de flanâncias:

"Gosto da parte que se vende farinha onde posso
degustar a qualidade do produto. Provando as diferentes sacas de farinha, tenho a
sensação de jamais ter provado algo assim... um sabor seco e ao mesmo tempo molhado;
um sabor inexplicável a parte da verdura me fascina pela variedade de cheiros, cores e
contrastes..., o cheiro de pimenta moída na hora que se espalha com muita facilidade, (...) nunca me canso de sentir o cheiro do frescor dos alimentos" (Arclébia Pinho, sobre a experiência na zona rural de Poço Frio - Pentecostes/CE).


"Ao cair da tarde vejo sempre uma roda de arte às quintas-feiras e sempre que o tempo é oportuno, alguém, tal como eu, tem apresentado poesia. Mas percebe-se que é uma comunidade não muito extrovertida para com os estrangeiros - alguns nem sequer desejam bom dia! -, mas a interação acontece de qualquer forma, pois trata-se duma sociedade" (Ireclene Domingos, estudante angolano que reside em Redenção-CE).

"Observar a singularidade em meio à pluralidade do meio em que vivemos é de certa modo difícil, pois somos rodeados por mecanismos que nos fazem pensar que estamos errando se sairmos dos trilhos. Aquele que consegue escapar e se manifestar contra esse padrão universal de pensamento e busca encontrar a sensibilidade além do que lhe é oferecido é o mesmo que conseguirá ver a verdade da vida que é mantida em sigilo para muitos" (Ana Joelma, na cidade de Paramoti-CE).

"Algo que muito me chamou a atenção foi a praça da matriz de Antônio Diogo (...), no ano de 2012 o jardineiro que cuidava dessas lindas flores faleceu, desde então o jardim nunca mais foi o mesmo. A praça, que antes era conhecida pela variedade de cores e que esbanjava saúde e cuidado, entrou de luto, as plantas morreram e as flores murcharam e, desde então, nunca mais foi a mesma.  É algo que chama a atenção..., mas por estarmos presos em nós mesmos e na correria do cotidiano, nem percebemos que até as flores demonstraram seu sentimento" (Alícia Oliveira, na cidade de Antônio Diogo-CE). 

"Ao subir no ônibus, paguei a passagem e sentei-me próximo ao motorista, em um canto onde as janelas me davam a melhor visão das ruas. Perguntei-me o porquê das pessoas não interagem dentro do ônibus: não trocam (...) olhares. Sem perceber, eu já me encaixava nesse sistema anestesiado, no qual, o coletivo proporciona; seria contraditório chamar algo de coletivo sendo ele o lugar mais solitário? (Caio Miranda, na cidade de Fortaleza-CE)
"A calmaria prevalece sobre a agitação populosa e um tanto deserta ao ponto de não me relacionar. A cada esquina um vazio, um beco, um escuro e um mendigo a vagar. Me jogo de frente à multidão (...)" (Guilhermano Sousa, na cidade de Acarape). 

"(...) ao observar as coisas à minha volta em relação a determinado ambiente, com determinada movimentação dentro desse espaço, pode-se perceber que o tempo se passa mais devagar" (Marcus Van Basten, na cidade de Baturité-CE).







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